Águas escuras dos rios
Que levam a fertilidade ao sertão
Águas que banham aldeias
E matam a sede da população
(Trecho da canção Planeta Água de Guilherme Arantes)
São bilhões de toneladas de água na forma gasosa despejadas na atmosfera diariamente pela floresta, essa gigantesca massa de ar úmida atravessa todo o continente e fornecem as chuvas tão necessárias para toda a cadeia do agronegócio. Isso significa que se a floresta deixar de existir todo o setor agropecuário, igualmente, não resistirá. Os colossais “rios voadores” são parte de um ciclo natural que abastece de água não só o nosso país, mas todo o continente. Neste 21 de março, data em que se celebra o Dia Mundial da Água e das Árvores, o Instituto Soka Amazônia quer enfatizar mais esse aspecto de suma importância para a manutenção de todas as formas de vida.
Um documentário recente da BBC World[i] registra de forma clara que a maior floresta tropical do planeta vem sendo sistematicamente derrubada sem qualquer fiscalização, tudo em nome de um equivocado senso de “progresso”. Tal processo de devastação se acelerou nos últimos dois anos como nunca antes na história deste país. Pessoas que se intitulam “corretores imobiliários” adentram a floresta e, sem qualquer escrúpulo, derrubam imensas extensões de mata nativa localizadas em áreas de preservação e anunciam os terrenos em páginas do Facebook abertamente, sem receio. Uma das imagens mais chocantes e perturbadoras do documentário é a cena de uma imensa árvore, de mais de 30 metros, ceifada pela ação da motosserra, desabando ao solo em câmera lenta. Uma gigante como esta leva décadas para atingir tal envergadura e é derrubada em cerca de meia hora.
Como se formam os nossos rios voadores
O fenômeno dos Rios Voadores não é exclusividade nossa. Todos os anos, todas as matas do planeta transpiram toneladas e toneladas de água para a atmosfera na forma de vapor que viajam milhares de quilômetros para levar fertilidade a diversas áreas necessitadas. O impacto desses “rios voadores” é imensurável para a continuidade da vida na Terra. O equilíbrio dos ecossistemas e sua imensa biodiversidade dependem da água que viaja pelos céus. Estes cursos de água flutuantes se elevam a mais de três quilômetros de altura. Mas os nossos rios voadores têm um processo ainda mais complexo e interessante.
Quem popularizou o termo foi o explorador e aviador suíço-brasileiro Gérard Moss, que é também engenheiro e ambientalista. Ele produziu e protagonizou o projeto Expedição Rios Voadores, junto com os professores e cientistas Antônio Donato Nobre, Enéas Salati e outros. Moss voou milhares de quilômetros seguindo as correntes de ar, para coletar amostras de vapor d’água que comprovaram o que os pesquisadores já intuíam sobre o fluxo e formação desses imensos cursos d’água flutuantes.
A formação dos nossos rios voadores se inicia no Oceano Atlântico e a gigantesca cobertura verde da Amazônia funciona como uma imensa bomba, puxando para dentro do continente a umidade que evaporou do mar. Já sobre a terra, essa umidade se precipita em forma de chuva sobre a mata, que novamente vai transpirar novos cursos d’água voadores para a atmosfera. Daí seguem carregando enormes quantidades de vapor d’água para o Centro-Oeste, Sudeste e Sul.
Parte dessa massa de ar e umidade se precipita pelo caminho, fornecendo água essencial às lavouras, pastos e outras matas. Porém, imensas massas de vapor de água se mantêm no percurso até se chocarem com a grande muralha natural: a Cordilheira dos Andes. E é desse encontro que se reinicia o ciclo: as montanhas geladas recebem generosas doses desse vapor quente que se precipitarão para a formação das cabeceiras dos rios amazônicos.
Jornada extensa e necessária
Mas a jornada desses caudalosos rios voadores não se finda aí. As correntes de ar continuam ativas após o choque contra as cordilheiras e seguem rumo ao sul e centro-oeste, às grandes lavouras e pastagens do setor agropecuário. Não é exagero dizer que sem esses rios voadores, toda a economia agrícola do país entraria em colapso.
O pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Científicas (INPE), Antônio Donato Nobre, explica que o fenômeno desses rios em forma de vapor d’água são a resposta ao mistério de uma vasta região ser verde e úmida. Este território compreende desde Cuiabá, Buenos Aires e São Paulo, um quadrilátero responsável por mais de 70% do PIB de toda a América do Sul, uma vez que contemplam em seu interior: hidrelétricas, indústrias, agricultura e grandes centros que dependem do equilíbrio climático e da provisão de água para existir. “Esses rios aéreos de vapor que a Amazônia exporta para essas áreas contraria a tendência normal dessa região de ser desértica. Essa imensa usina de serviços ambientais é o maior parque tecnológico que a Terra já conheceu”, ressalta o pesquisador.
Alguns dados importantes
Ainda restam cerca de 600 bilhões de árvores na Amazônia, segundo estimativas. Destas, as gigantes como a Sumaúma, possuem raízes de grande profundidade, bombeando as águas de lençóis freáticos que se encontram a mais de 50 metros abaixo da superfície, e envia essa umidade às folhas que, sob o calor do sol amazônico, se transmutam em vapor e vão compor a outra parte dos rios voadores. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) mostram que uma única árvore frondosa, com copa de 20 metros de diâmetro, pode transpirar mais de mil litros de água por dia. Em toda a Amazônia, é um volume que chega a 20 bilhões de toneladas de água diariamente. Uma porção maior que a do Rio Amazonas, responsável por 17 bilhões de toneladas de água.
Por todos os ângulos analisados, a manutenção da floresta em pé é vantajosa a todos os envolvidos. O Brasil tem uma posição privilegiada em relação aos recursos hídricos. Porém, aquecimento global e as mudanças climáticas que ameaçam alterar os regimes de chuva em escala mundial são fatores que demonstram o quão frágil é esse “privilégio” e comprovam o clamor para que se busquem meios de promover a preservação e, assim garantir a sobrevivência a todo o continente, com a manutenção das chuvas levadas pelos rios voadores.
Links de sites relacionados ao tema
CPTEC – Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos: www.cptec.inpe.br
INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais: www.inpe.br
INPA – Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia: www.inpa.gov.br
LBA – Programa de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia : lba.inpa.gov.br/lba/
IMAZON – Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia: www.imazon.org.br
[i] https://www.youtube.com/watch?v=QpTMqTo_ycc&feature=youtu.be