O ribeirinho é antes de tudo um forte (*)

Afinal: qual a origem dos ribeirinhos que tantas vezes são mencionados tanto nos textos do Instituto Soka Amazônia como em muitas matérias que se divulgam sobre os povos da floresta?

Há quanto tempo vivem nesses tantos e tantos povoados amazônicos?

Eles são índios?

Do que vivem?

Como vivem?

De onde vieram?

Não, não são índios. Vieram de longe em busca de melhores condições de vida, talvez um sonho de fortuna ou, como acontece na maioria das vezes, em busca apenas de sobrevivência. Provavelmente foram forçados a abandonar sua terra natal pelas condições climáticas extremas que não são incomuns em algumas áreas deste país. Pouco a pouco adquiriram enorme familiaridade com aquilo que encontraram no novo ambiente.

Ali estão, ali é o seu lugar, sua terra, seu chão.

Não há como determinar com exatidão há quantas gerações vivem ali.

Não é incomum a convivência de pais, filhos, netos e até mesmo bisnetos.

Com o passar do tempo chegaram a assimilar determinados costumes e jeitos de ser dos índios.

Grupos pequenos

São grupos pequenos, 10 a 20 famílias, em alguns casos um pouco maiores, chegando até 100 famílias, com cultura tipicamente extrativista. Extraem da natureza quaisquer produtos que possam ser cultivados para garantir sua sobrevivência. Convivem em harmonia com os rios e a floresta, de uma forma que não fica distante dos costumes indígenas.

Com absoluta naturalidade.

A sobrevivência

Pescam, caçam, preparam pedaços de terra para cultivar produtos como a mandioca, frutas, grãos. Sabem, aliás muito bem (talvez uma espécie de herança dos índios com que chegaram a conviver) extrair muito da mandioca: a farinha, o pó para a tapioca, o polvilho de várias utilidades, o tucupi que é um caldo ou goma que segundo se afirma, é eficaz, até, no fortalecimento da imunidade; seu consumo ajudaria a prevenir doenças como a gripe e o resfriado. Produtos da mandioca servem para seu próprio consumo e para a prática de uma espécie de escambo.

Ribeirinhos na Fabricação de farinha de mandioca imagem Jo.Oliveira29, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons

Serviços públicos

Ainda que de forma precária e simples, as comunidades são objeto de atenção por parte do Poder Público. Todas têm uma escola; senão a totalidade, pelo menos a maioria, dispõe de luz elétrica; o “agente de saúde comunitário” é uma figura comum, habilitado a prestar uma assistência básica como medir a pressão e a temperatura, fornecer medicamentos comuns e direcionar os casos mais complexos para a sede do município; são eleitores; tiveram, sim, alguns casos de covid 19, felizmente poucos, e já estão vacinados.

Uma pessoa tipicamente urbana, moradora em grandes centros, cercada de todos os confortos da chamada era moderna, talvez se pergunte como essa forma de vida é possível em pleno século 21. O ribeirinho, no entanto, vê tudo como absolutamente normal, saudável e (por que não dizer?) muito satisfatório.

Fogo, um ressentimento

Não é difícil perceber um certo ressentimento por parte dos ribeirinhos, quando se fala – mesmo quando isso é apenas insinuado, sem explícita acusação a ele, ribeirinho– que “estão pondo fogo na floresta”.

Ele sente como se fosse para si tudo o que se fala sobre esse assunto.

As queimadas ocorrem, mas no que diz respeito a praticamente todos os ribeirinhos, de forma controlada, dentro de uma técnica dir-se-ia milenar, que eles procuram sempre seguir ano após ano.

Não se trata de incentivar o uso do fogo como forma de preparar a terra, mas a verdade é que outras técnicas –a mecanização do processo, por exemplo– não são facilmente viáveis seja pelo custo, como, no caso específico da mecanização, pela necessidade de abertura de estradas que, afinal, tornaria necessário abater muitas árvores.

Fala-se, ainda, de agrofloresta ou “sistemas agroflorestais”, técnicas que não se implantam da noite para o dia.

Puxirum

No dia de preparar a terra para a próxima safra, acontecem os puxiruns, nome que ali se dá aos mutirões, quando vizinhos se juntam e colaboram uns com os outros (sem remuneração, pura demonstração de amizade) para isolar a área a ser queimada, evitando a propagação do fogo. Eles aprenderam que esse recurso é valioso para preparação da terra e melhor uso dos nutrientes naturais contidos, por exemplo, nas cinzas que restam após o fogo ser extinto.


(*) A célebre expressão de Euclides da Cunha em Os Sertões –o sertanejo é antes de tudo um forte– bem que se presta para referência ao ribeirinho. Em muitos casos o ribeirinho é sertanejo, ou descendente de sertanejo. Que saiu do sertão em busca de melhores condições de vida.

Agrofloresta é um bom negócio?

É, no mínimo, uma forma milenar de produzir renda sem derrubar a mata. Mas, na realidade, envolve toda uma infinidade de fatores

A resposta à pergunta é sim, embora à primeira vista pareça que não, por se tratar de uma forma ancestral de produção de alimentos a partir da manutenção da floresta em pé, por meio da exploração de insumos vegetais (sementes, seiva, flores, folhas, casca etc) e animais. No momento em que o mundo todo está com os olhos voltados para as queimadas que destroem a floresta Amazônica, o tema da agrofloresta se torna ainda mais relevante. O biólogo e mestre em Ecologia pelo INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), Diego Oliveira Brandão, explicou que

é um método que associa o manejo de espécies nativas e exóticas diversas numa mesma área, oferecendo mais produtividade. Portanto, no Sistema Agroflorestal, as árvores, os arbustos, as palmeiras, os bambus nativos, etc. são cultivados em associação com culturas agrícolas, pastagens e animais (boi, galinha, pato e porco), em uma mesma unidade de manejo. Diferente da monocultura que derruba imensas áreas para plantar uma única espécie. Procedendo dessa forma, criam-se interações ecológicas e econômicas entre todos esses elementos, equilibrando espaços e tempos de cultivo para os pequenos produtores.

Agricultores do mundo todo se utilizam há séculos do Sistema Agroflorestal como forma de subsistência. Mas foi somente a partir da década de 1970 que se iniciaram estudos sobre o esse modelo agrícola e cientistas passaram a olhar com mais atenção como uma forma de produzir alimentos e insumos sem agressão ao meio ambiente.

Muitas vantagens

Média de 2 bilhões de dólares ao ano gerados a partir de produtos não madeireiros

Por se tratar do plantio de espécies nativas, as agroflorestas contribuem positivamente na restauração de áreas degradadas por extração inadequada de recursos, ocupação desordenada, incêndios etc. E, no momento em que se fala tanto em mudanças climáticas, tal restauração está intimamente ligada à redução do aquecimento global, porque as plantas absorvem dióxido de carbono da atmosfera para crescer e se reproduzir. Apenas para recordar: no Acordo de Paris, assinado em 2015 por 195 países, o Brasil se comprometeu a restaurar 12 milhões de hectares de florestas até 2030. Agenda bastante comprometida no momento atual pelo desmatamento.

De modo bem simplificado, é possível pontuar que agrofloresta simula o que a natureza faz normalmente: mantém o solo sempre coberto pela vegetação, com diversas espécies juntas, cada qual dando seu suporte às demais. Só esse fato já minimiza danos com pragas, doenças e mudanças climáticas, o que dispensa o uso dos agrotóxicos.

Diego cita dados do IBGE que apontam uma média de 2 bilhões de dólares ao ano gerados a partir de produtos não madeireiros, ou seja, a partir da floresta em pé. Isso sem ou quase nenhum apoio governamental. “Se houvesse  mais incentivo com assistência técnica a produtividade da agroflorestal seria muito maior”, enfatiza. E esses produtos, oriundos do Sistema Agroflorestal, são praticamente todos in natura, como o açaí, a andiroba, a castanha e o cacau. Com as cooperativas de beneficiamento o valor dos produtos da agroflorestal pode ser multiplicado por, no mínimo 4, com a produção de matéria prima como óleo, gordura, polpa e sementes desidratadas e produtos industrializados como alimentos, sucos, remédios e cosméticos

Uma reportagem do Jornal Nacional sobre o projeto Amazônia 4.0, ilustrou muito bem esse fato. O quilo das sementes de cacau é comumente vendido a 12 reais em média. Se for transformado em chocolate, pode chegar a atingir 200 reais o quilo se for produzido para exportação. O cientista líder do projeto, Ismael Nobre, ressaltou que só o cacau, sem qualquer beneficiamento, é sete vezes mais lucrativo por hectare que a pecuária.

Cacaueiro

Mas há muito mais do que se beneficiar ao manter as florestas em pé. Diego cita as mais importantes: a manutenção da fertilidade dos solos e redução de erosão; conservação de água em rios, nascentes e biodiversidade; diversificação da produção de alimentos nas regiões onde se estabelece e por aí vai. Só há vantagens em sistema agroflorestal em comparação à monocultura ou pecuária tradicional na Amazônia.

Para os pequenos agricultores o Sistema Agroflorestal traz outro importante benefício: a obtenção de receitas de curto prazo com a colheita de produtos em tempos diferentes (frutos, sementes etc). Assim não ficam reféns de uma grande safra monocultora, reduzindo assim, a necessidade de insumos externos. Por empoderar os agricultores e as comunidades tradicionais, a partir da aquisição de maior autonomia com a diversificação de sua produção, a agrofloresta representa uma verdadeira tecnologia social, capaz de produzir dividendos significativos e também, bastante lucrativos.

Fontes:

http://tecnologiasocial.sites.uff.br/o-que-sao-tecnologias-sociais/

https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=10226794892841395&id=1322832872&sfnsn=wiwspwa

https://www.wwf.org.br/?76990/Agrofloresta-e-alternativa-de-desenvolvimento-na-Amazonia

https://www.fca.unesp.br/Home/Extensao/GrupoTimbo/RevistaSistemasAgroflorestais.pdf

https://cebds.org/o-que-e-o-acordo-de-paris/