Bastante subestimado, o chão onde pisamos é um substrato importantíssimo para a manutenção da vida no planeta
A professora e pesquisadora Gláucia Soares Tolentino[i] conta que o processo de origem, formação e transformação natural dos solos está diretamente relacionado com o intemperismo e com o acúmulo de material orgânico. Intemperismo é o conjunto de alterações que as rochas sofrem quando ficam expostas à superfície da Terra. Todos os solos são o resultado de uma série intrincada de processos e inúmeros fatores que concorrem para que as diferentes superfícies terrestres existam de maneira harmônica. Qualquer atividade não natural, como as ações humanas nefastas – mais especificamente as queimadas – fazem com que o equilíbrio se rompa e resulte em prejuízo a processos essenciais naturalmente ocorridos durante milênios. A Amazônia – uma vastidão verde – é o exemplo de processos milenares naturais que o homem em sua cega e insana ganância vem sistematicamente destruindo.
O solo da Amazônia
A professora Gláucia reitera que a floresta Amazônica só existe por um conjunto de fatores, incansavelmente trabalhados e aperfeiçoados ao longo de um tempo incrivelmente longo. Em geral, o solo amazônico é bastante pobre, mas possui uma espessa camada de nutrientes formado a partir das folhas, frutos e insumos animais (fezes, urina e corpos em decomposição). Além, é claro, de fungos e outros microrganismos que atuam nesse processo de ciclagem dos nutrientes. Cercando e envolvendo tudo isso e fazendo a grande diferença nesse verdadeiro caldeirão orgânico: as águas. Essas sobem, em forma de vapor, do oceano Atlântico, sobrevoam a região em direção ao oeste do continente. Só que ali encontram uma imensa barreira natural, a Cordilheira dos Andes, que faz todo esse vapor d’água se precipitar em forma de chuva, que desce das montanhas e literalmente varre a região amazônica, levando consigo terra e nutrientes.
A floresta, por sua vez, produz grande biomassa – que é todo e qualquer material de origem viva – e fantasticamente contribui para o enriquecimento do ambiente. Está formado, a grosso modo e em linhas gerais, o composto orgânico natural do solo da maior floresta tropical do planeta.
Nas queimadas, alguns animais conseguem sobreviver fugindo. As plantas não têm essa possibilidade.
Cada região da Terra tem seu solo formado por uma série de processos eólicos, hídricos, tectônicos, climáticos ou mesmo da atividade antrópica. Cada uma dessas mudanças transfiguram as paisagens, de forma gradual ou catastroficamente. Quando acontece de forma catastrófica, isso em geral e infelizmente, é irreversível, destruindo os solos e, como ele, habitats de inúmeros organismos animais e vegetais. “Nas queimadas, alguns animais conseguem sobreviver fugindo. As plantas não têm essa possibilidade. Mas mesmo os animais que sobrevivem perdem sua referência de moradia e a maior parte sucumbe por não conseguir mais se alimentar ou se reproduzir. É triste”, ressaltou Gláucia.
Breve história dos solos em geral
Todos os solos, como os conhecemos hoje, remontam do avanço dos primeiros organismos vegetais sobre a Terra, algo ocorrido entre 422,9 milhões e 418.7 milhões de anos. Um tantinho de tempo atrás, portanto. Foi então que alguns solos, bastante similares aos atuais – embora aquelas plantas ainda não tivessem raízes, estas só viriam a acontecer de fato entre 416 e 411 milhões de anos. De modo geral, a formação dos solos continua a ser a mesma: a partir do processo de decomposição das rochas de origem, chamadas de rochas mãe. Sim, rochas. Simplesmente porque nesse início mais que primitivo não existiam solos no planeta, somente rochas grandes e variados grupos rochosos que foram lentamente sendo desgastados pelo clima, pela ação da água e dos ventos e também pelos seres vivos, sobretudos as plantas. Com isso, essa lenta desagregação proporcionou a formação de sedimentos, que se mantêm aglomerados e compõem os solos. O processo de origem e constituição dos solos é chamado de pedogênese[ii]. Importante ressaltar que esse processo de pedogênese acontece até hoje. Portanto, foram milhões de anos para se chegar ao que temos agora.
O processo obedece a uma sequência, de certa maneira imutável:
- lenta decomposição da rocha mãe por agentes do intemperismo (água, ventos, clima, plantas e outros);
- com a ação inexorável do tempo, são acumulados materiais orgânicos sobre o solo em constante formação;
- todo o material depositado vai se deteriorando e se mimetiza com o restante, enriquecendo o solo e, em paralelo, vão se formando os horizontes do solo;
- diferentes horizontes[iii] vão se sobrepondo, à medida que mais e mais camadas vão sendo depositadas. Além disso, passam a apresentar uma camada superficial orgânica propícia ao plantio e à existência de vegetações.
Horizontes de solo
Quanto mais antigos os solos, eles possuem mais camadas consolidadas. Solos jovens, por sua vez, estão em processo intermediário de formação, ainda sem a presença dos diversos horizontes e pouca presença de material orgânico. Abaixo os horizontes de solo, segundo as classificações mais comuns:
- Horizonte O (horizonte orgânico) – camada externa do solo composta por material orgânico em estágio de decomposição.
- Horizonte A – é o horizonte mineral mais próximo da superfície, com uma relativa presença de matéria orgânica.
- Horizonte B – é o horizonte de acumulação, com uma grande presença de minerais e com baixo acúmulo de material orgânico.
- Horizonte C – camada formada por partes fragmentadas da rocha mãe, muitas vezes com sedimentos menores nas suas partes mais altas e com saprólitos e partes de rochas em sua parte inferior.
Gláucia alerta para um fato emergencial: as queimadas da Amazônia se intensificaram de forma desordenada e indiscriminada, e o fogo é o meio mais deletério da saúde desse solo que levou milhões de anos para ser constituído e para formar a exuberância verde que o mundo todo admira e aplaude. “O fogo, nas proporções em que hoje acontece, só beneficia o agronegócio, pois permite o plantio imediato. A correção da pobreza do solo vem em seguida, com a adição de fertilizantes artificiais”, explicou. Porém, em poucas safras, não há mais o que fazer e aquele pedaço de terra, exaurido e incapaz de se reestruturar com artifícios químicos, se torna deserto e inútil à atividade econômica. E o agronegócio volta seus olhos para outro pedaço intocado de terra de riqueza natural inestimável, para repetir o processo e destruir mais uma parte desse tesouro da humanidade.
“Há estudos sérios que demonstram que é mais barato preservar que derrubar. Mesmo assim, a ação degradadora permanece. É preciso parar de vez com essa onda de destruição, antes que seja tarde.”, encerra a pesquisadora de solos e professora, Gláucia Tolentino.
Fontes:
https://mundoeducacao.uol.com.br/geografia/formacao-dos-solos.htm
https://www.scielo.br/j/rbcs/a/7zyTLBm8nXMdxtcZJB4mQvv/?lang=pt
[i] Bióloga, mestre e doutora em Botânica. Pesquisadora das relações entre plantas, solo e atmosfera. Atuou como analista ambiental e hoje se dedica à atividade docente no Instituto Federal do Paraná (IFPR) – Campus Paranavaí.
[ii] Pedogênese é o nome atribuído ao processo de formação dos solos, produzidos a partir da degradação ou composição das rochas, além da junção de fatores químicos, físicos e biológicos.
[iii] Os solos bem desenvolvidos possuem normalmente várias camadas sobrepostas, designadas por horizontes. Estas camadas são formadas pela acção simultânea de processos físicos, químicos e biológicos e podem distinguir-se entre si através de determinadas propriedades, como por exemplo a cor, a textura e o teor em argilas.