Sumaúma: A gigante da Amazônia

Sagrada para os povos tradicionais da floresta, pode viver mais de 120 anos e ainda proporciona benefícios medicinais únicos

Sua grandiosidade impressiona. Pode chegar a 70 metros o que equivale a um edifício de 24 andares! Sua copa se projeta acima de todas as demais servindo de abrigo e proteção para inúmeros pássaros e insetos. A Samaúma ou Sumaúma (Ceiba pentranda) é uma das árvores mais extraordinárias da Amazônia por seu gigantismo. Sagrada para povos da antiguidade do continente, como os maias, seu nome remete à fibra que pode ser obtida a partir de seus frutos. O Instituto Soka Amazônia tem duas sumaúmas de grande destaque para as aulas práticas de educação ambiental: uma de 25 anos com 30 metros de altura e outra chamada carinhosamente de sumaúma-bebê de 3 anos, com altura de 3 metros.

Quanto à sua sacralidade, de acordo com a sabedoria da floresta, na base da sumaúma há um portal – invisível aos olhos humanos não-iniciados – que conecta esta realidade com o universo espiritual. Seres mitológicos das matas entram e saem por esse portal (leia a lenda da sumaúma ao final deste texto).

A árvore pertence à família das bombacáceas, encontrada em florestas pluviais da América Central, da África ocidental, do sudeste asiático e da América do Sul. No Brasil, ela ocorre na Amazônia, onde há também uma ilha denominada Sumaúma, no rio Tapajós. Nas várzeas ela cresce muito rápido, mas tem porte menor em terra firme. As raízes tubulares são chamadas de sapopemas (palavra do tupi que significa raiz chata). De madeira clara, leve e macia quando jovem, e acastanhada ou cinza na maturidade. Os frutos são capsulas amareladas de 5 a7 centímetros de diâmetro, por 8 a 16 cm de comprimento e cada uma pode conter de 120 a 175 sementes, envoltas em uma paina leve, branca e sedosa. Devido a essa paina, usadas como alternativa para o algodão e são comumente usadas para encher almofadas, isolamentos e até colchões, é conhecida também por algodoeiro.

Frutos da Sumaúma

Outrora era o telefone da floresta. Golpeadas suas enormes sapopemas ecoam por longas distâncias ao ser golpeadas, por isso era um meio de comunicação entre os povos da floresta, com códigos elaborados como o morse.

Das sementes também pode se extrair o óleo que, além do uso alimentar, é usado também na produção de sabões, lubrificantes e em iluminação, e é ainda bastante eficiente no combate à ferrugem. Rica em proteínas, óleo e carboidratos, a torta das sementes serve de ração para animais e como adubo.

Há ainda o uso medicinal. Da seiva da sumaúma é produzido medicamento para o tratamento da conjuntivite. A casca tem propriedades diuréticas e é ingerido na forma de chá, indicado para o tratamento de hidropisia do abdômen[i] e malária. Certas substâncias químicas extraídas da casca das raízes combatem algumas bactérias e fungos. Em margens de riachos secos, as raízes descobertas da sumaúma fornecem água potável no verão. As sapopemas obtém água das profundezas do solo amazônico e abastece não somente a si, mas a todo um conjunto de outras espécies ao seu redor. Essa característica única a torna a “mãe” da floresta, já que o precioso líquido é vital para a sobrevivência de todo ser vivo. Em períodos específicos, quando as sapopemas atingem um determinado nível de umidade, a árvore solta esse excesso e irriga todo o seu entorno.

Lenda da sumaúma

Conta a lenda que em tempos muito antigos o marido de uma curandeira foi picado por uma cobra venenosa, e ela nada pôde fazer para salvá-lo. Passado o luto, a moça se dedicou a pesquisar a cura para a picada de cobras. Ela descobriu que o tubérculo da planta jérgon sacha (Dracontium lorettense) não só curava as picadas, mas também dava à pessoa imunidade contra o veneno de outras picadas.
Infelizmente, um dia o filho da curandeira foi picado, e o remédio não funcionou. Desesperada, ela tomou uma medida radical: usando rapé, suplicou ao espírito da planta que deixasse seu filho viver. Em troca, a curandeira concordou em tornar-se espírito e viver para sempre na base da Samaúma.
Por isso é que hoje tem “Mãe Samaúma”, esse espírito que ocupa um lugar de honra no reino da floresta. É ela quem, com sua poderosa energia, olha e protege as plantas e os animais das matas e da natureza.

Este texto é um excerto editado de “Um Conto Amazônico”, de Arnaldo Quispe, publicado em 2013 no Blog Terras Náuas, do jornalista acreano

 

Fontes:

http://w2.files.scire.net.br/atrio/inpa-atu_upl//THESIS/171/alexandra_maria_ferreira_silveira_dissertaoatu_20200513104235679.pdf

https://www.xapuri.info/news/a-lenda-mae-samauma/#:~:text=Diz%20a%20sabedoria%20da%20floresta,humano%20com%20o%20universo%20espiritual.

[i] Hidropisia é a acumulação anormal de fluido nas cavidades naturais do corpo ou no tecido celular. O termo pode ser usado como sinônimo de edema. Historicamente, hidropisia, como doença, designava a causa principal dos edemas generalizados, a saber, a insuficiência cardíaca congestiva. Diz-se “hidrópico” o indivíduo que sofre da doença

O verde que compõe a Amazônia

Árvores da Amazônia

Quanto mais se estudam as árvores, mais surpresas surgem.

Elas são a verdadeira riqueza da floresta, cada árvore traz em si um imenso manancial de potencialidades para muito além da nossa existência

Este artigo abre uma série de outras matérias que serão publicadas neste espaço, abordando peculiaridades da flora amazônica

Poucos sabem deste dado: há árvores que podem viver mais de mil anos. Essa informação recente comprovada por especialistas, nos remete a outra muito importante, que as árvores podem fornecer valiosas informações acerca de nosso passado, como verdadeiras “cáspsulas do tempo” vivas.

60 milhões de anos

Sua longevidade remonta a 60 milhões de anos. A seleção natural precisou operar por todo esse tempo para que os diversos grupos de plantas amazônicas atingissem a sua incrível diversidade atual. Quanto mais se estudam as árvores, mais surpresas surgem. Para se ter uma ideia do muito que ainda há para se descobrir: um levantamento datado de 2006 registrou 1.119 espécie de árvores na Amazônia, porém hoje se sabe que este número é pelo menos três vezes maior. São cerca de 3.615 espécies arbóreas segundo levantamento feito por ecólogos da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em 2019. E ainda há grandes porções de floresta intocada pelo ser humana, portanto, existe espaço para muitas surpresas.

São 7 milhões de km2, distribuídos por nove países e o Brasil detém a maior parte desse patrimônio natural, 60% da floresta. Os 40% restantes estão espalhados pelo Peru, Colômbia, Bolívia, Equador, Suriname, Venezuela, Guiana e Guiana Francesa. Para a obtenção do levantamento, os pesquisadores analisaram dados de inventários florestais e coleções biológicas de todos esses países da bacia amazônica.

3615 espécies

As 3.615 espécies arbóreas de áreas úmidas da Amazônia estão compreendidas em 104 famílias botânicas, por sua vez distribuídas em 689 gêneros. As famílias arbóreas mais diversificadas são as leguminosas (578 espécies), seguidas pelas rubiáceas (220), anonáceas (182), lauráceas (175) e mirtáceas (155 espécies arbóreas). As dez famílias com maior diversidade são responsáveis por 53% do conjunto de espécies arbóreas das zonas úmidas da Amazônia.

Há cerca de 20 milhões de anos o oeste da Amazônia era um imenso alagadiço que deu origem à bacia amazônica devido à elevação progressiva do derretimento dos Andes.

Há muitas teorias quanto aos fatores que possibilitaram a grande diversificação de árvores nas áreas úmidas da Amazônia. Para tanto é preciso lembrar que se trata de um tempo geológico bastante grande, que remonta ao Mioceno (entre 23,5 milhões de anos atrás). Há cerca de 20 milhões de anos o oeste da Amazônia era um imenso alagadiço que deu origem à bacia amazônica devido à elevação progressiva do derretimento dos Andes. As espécies arbóreas que ali existiam tiveram que se adaptar para sobreviver.

O tempo de vida de cada espécie

Outro dado importante: o tempo de vida de cada espécie. Há árvores que podem chegar aos mil anos de vida o que as torna monumentos vivos da história natural. A partir de uma única árvore dessas é possível estabelecer relações com os locais em que seus pais cresceram, sua herança genética, sua capacidade de adaptação aos diferentes climas e mudanças. São dados essenciais para estabelecer novas possibilidades de sobrevivência não só da floresta como um todo, mas para toda a espécie humana também, uma vez que dependemos de cada pedaço de verde do planeta para a nossa continuidade.

Há quem denomine as árvores da Amazônia como “cápsulas do tempo” da história humana, pois a análise dos ecossistemas é essencial para compreendermos o passado e assim, traçarmos o futuro da espécie.

À medida que as árvores crescem, absorvem detalhes sobre o ambiente em sua madeira, criando registros do ambiente ao longo do tempo.

Em um artigo publicado recentemente no Trends in Plant Science[i], cientistas brasileiros que estudaram espécies da Amazônia explicaram como algumas plantas podem contribuir para o entendimento da história da humanidade.

Segundo o pesquisador líder do estudo que deu origem ao artigo, Victor Caetano Andrade, à medida que as árvores crescem, absorvem detalhes sobre o ambiente em sua madeira, criando registros do ambiente ao longo do tempo. “Ao combinar técnicas como dendrocronologia (o estudo de anéis das árvores), análise de isótopos de carbono e oxigênio, e genética, podemos obter informações sobre o clima e os eventos mediados por humanos na floresta tropical”, esclareceu o pesquisador.

Embora pareça óbvio dada a quantidade de fatos inquestionáveis sobre o assunto, há ainda correntes céticas e negacionistas que clamam pela derrubada das florestas justificando que estas são um empecilho ao desenvolvimento econômico. A comprovação do potencial das matas milenares para o mapeamento da história da humanidade é um dado a se juntar aos demais para sustentar a manutenção da floresta em pé.

Outro pesquisador da equipe, Caetano Andrade, ressaltou que “surpreendentemente, a história negligenciou algumas das maiores e mais antigas testemunhas que as florestas tropicais têm a oferecer: suas árvores”. Ainda segundo ele, escavações arqueológicas e análises arque botânicas levaram a grandes avanços em nosso reconhecimento de vidas humanas passadas nos trópicos, mas as árvores que ainda estão de pé também têm muito a contribuir para o entendimento da história natural.


Fontes:

https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/Meio-Ambiente/noticia/2019/09/arvore-mais-alta-da-amazonia-esta-50-maior-e-cientistas-nao-sabem-por-que.html

https://www.bdpa.cnptia.embrapa.br/consulta/busca?b=ad&id=507431&biblioteca=vazio&busca=autoria:%22%C3%81VILA,%20F.%20(Ed.).%22&qFacets=autoria:%22%C3%81VILA,%20F.%20(Ed.).%22&sort=&paginacao=t&paginaAtual=1

[i] Trends in Plant Science é o periódico de revisão mensal original e líder em ciência de plantas (Journal metrics: IF 5-year 14.017 | IF 2018 14.006 | Citescore2018 9.62), apresentando ampla cobertura da ciência básica de plantas, da biologia molecular à ecologia. Críticas e opiniões sucintas e legíveis sobre tópicos de pesquisa básica fornecem visões gerais instantâneas do pensamento atual e novos desenvolvimentos em biologia vegetal. Direcionados a pesquisadores, estudantes e professores, nossos artigos são sempre confiáveis ​​e são escritos por líderes na área e estrelas em ascensão: