ESPECIAL: Em memória ao fundador do Instituto Soka Amazônia

No último dia 15 de novembro, faleceu, de causas naturais aos 95 anos, o fundador do Instituto Soka Amazônia, Dr. Daisaku Ikeda.

Filósofo, escritor e líder pacifista, Ikeda foi presidente honorário da organização Soka Gakkai e presidente da Soka Gakkai Internacional (SGI) e reconhecido pela extensa trajetória em defesa da paz, educação e direitos humanos.

Com propósito de criar bases de uma cultura de paz duradoura, o líder humanista fundou instituições educacionais,  culturais e de disseminação de conhecimento, entre as quais: o Instituto de Filosofia Oriental  (Japão), Fundação Makiguchi para a Edudação, Centro Ikeda para Paz, Aprendizado e Diálogo (originalmente Centro de Pesquisa de Boston para o Século 21), Instituto Toda para Paz, Sistema Soka de Educação (Colégios e Universidades no Japão, Estados Unidos, Brasil, Coreia, Malásia e Cingapura), Associação de Concerto Min-On, Museu de Arte Fuji em Tokyo (Japão) e o Instituto Soka Amazônia (Brasil).

Clamor pela paz, pela Amazônia e pela  vida

Descrever em poucas palavras a extensa obra deixada por Daisaku Ikeda não é uma tarefa fácil.

Em sua trajetória de mais de sete décadas de vida pública, ele dedicou-se incansavelmente em defesa da paz, da educação e direitos humanos e inspirou gerações para os propósitos de valorização da vida e do potencial do ser humano para transformação social.

Dialogo com a Natureza por Daisaku Ikeda

Com sensibilidade criativa, traduziu em fotos e poesia a importância da relação mais harmônica do homem com a natureza.

Na exposição  Diálogo com a Natureza, exibida pela primeira vez em 1982, Ikeda convida o público a ter um olhar atento a si mesmo e ao mundo ao redor: “A vida reage da maneira mais sensível a cada momento que nunca mais voltará”, afirmou.

O renomado escritor e critico de arte francês, René Huygue,  classificou suas  fotografias como poesias e afirmou: “Lutando  pela verdade na vida, ele capta a pulsação de cada expressão da vida e torna a eternidade da vida visível e palpável

Relação com a Amazônia

Embora não tenha visitado pessoalmente a Amazônia, Ikeda sempre nutriu profunda admiração pela floresta e seus rios.

Por ocasião da inauguração do Laboratório de Pesquisas Ecológicas Dr. Daisaku Ikeda, atual sede do Instituto Soka Amazônia, Ikeda relembrou sua forte ligação com a região:

O famoso naturalista inglês Charles Darwin, que elaborou a Teoria da Evolução das Espécies, ficou muito impressionado com a riqueza natural da floresta amazônica, o colorido verdejante das matas, os sons e o silêncio formando uma harmonia perfeita na sombra de suas árvores centenárias. E o escritor Stefan Zweig, quando esteve na Amazônia, disse que seu sonho de infância era ver a majestosa correnteza do Rio Amazonas.

Eu também, quando criança, acalentei a esperança de um dia viajar pelo mundo para conhecer o grande Amazonas. Por isso, quando ouço sobre o Amazonas, ressurgem em meu coração essas lembranças de infância cheias de sonhos e fantasias e sinto-me como se os jubilosos braços da rica terra-mãe da vida envolvessem todo o meu ser. Neste momento, meu coração palpita ansioso por voar imediatamente para o Amazonas com um sentimento muito mais intenso do que o de Darwin e Zweig

Desse sentimento surgiu o desejo de estabelecer na região uma base para contribuir efetivamente para preservação da biodiversidade amazônica, culminando, no início da década de 1990, na criação de um centro de estudos e projetos de educação ambiental na Reserva Particular de Patrimônio Natural  RPPN Dr. Daisaku Ikeda, na região do icônico Encontro das Águas.

Em diversos discursos e iniciativas Dr. Ikeda enfatizou a importância da educação ambiental humanística, de valorização da dignidade da vida e vinculada à paz e aos direitos humanos. 

Por suas contribuições, ele recebeu homenagens e títulos de diversas instituições e universidades brasileiras, como a Medalha de Mérito Social pelo Tribunal de Justiça do Amazonas (2018) e Medalha Nilo Peçanha do Instituto Federal do Amazonas (2019), títulos de Doutor Honoris Causa das Universidades Federais do Amazonas (2019), do Acre (2017) de Pernambuco (2021), de Rio de Janeiro (1997) e do Paraná (1993), entre outros títulos e condecorações. Em 1993,  foi eleito para a cadeira 14 de sócio correspondente da Academia Brasileira de Letras.

Eterno diálogo pela paz

Ikeda empreendeu relevantes diálogos com líderes e personalidades mundiais, dando sua visão sobre temas como cidadania global, abolição das armas nucleares, proteção ao meio ambiente, direitos humanos e relação harmônica entre ser humano e natureza. Parte desses diálogos foram transformados em livros, deixando um legado de reflexões e conhecimento em diversas áreas.

No notável discurso  Era do Soft Power e da Filosofia da Motivação Interior, proferido na Universidade de Harvard, em 1991, Ikeda atribuiu ao conceito de soft power – exposto pelo teórico de relações internacionais Joseph Nye – , o significado da automotivação necessária para se criar uma sociedade pacífica e solidária, considerando a inseparabilidade do homem e seu meio ambiente.

“Tudo está ligado numa intrínseca rede de causa e conexão, e nada — seja no domínio das questões humanas, ou no dos fenômenos naturais — pode existir ou ocorrer de modo isolado. Sob esse ponto de vista, tem sido creditada importância maior às relações interdependentes entre os indivíduos do que ao indivíduo isolado.”

Ikeda foi também um grande incentivador da criação da Carta da Terra, a declaração universal de princípios éticos fundamentais para a construção, de uma sociedade global justa, sustentável e pacífica. O documento, considerado um importante guia para a transição para um futuro sustentável, foi resultado de uma década de diálogo intercultural, originada no âmbito das Nações Unidas, mas que se estendeu como uma iniciativa global da sociedade civil.

Por ocasião da filiação do Instituto Soka Amazônia à Carta da Terra Internacional, neste ano, Mirian Vilela, diretora executiva da organização homenageou Dr. Ikeda por seus esforços em prol da paz e meio ambiente.

A exposição Sementes da Esperança e Ação – produzida pela Soka Gakkai, Carta da Terra Internacional com apoio do Instituto Soka Amazônia – teve o objetivo de inspirar o protagonismo das pessoas comuns na proteção do planeta Terra para as futuras gerações

Ikeda sempre louvou os esforços de pessoas comuns em defesa da vida e do meio ambiente, entre as quais a ganhadora do Prêmio Nobel da Paz 2004, Wangari Maathai, por quem nutria profunda admiração.

“Ela concebeu seu Movimento Cinturão Verde com compaixão e preocupação com o futuro de seus filhos e sua terra natal, o Quênia. Ela aplaudia as nobres mulheres comuns de seu país que participam do movimento como ‘engenheiras florestais’, sem diplomas”, disse.

Mudanças Climáticas, Solidariedade Global e Amazônia

As diversass Propostas de Paz que enviou, anualmente, à ONU desde 1983, tornaram-se referência para dezenas de pensadores em todo o mundo. Ao todo, foram mais de 40 propostas de paz encaminhadas, algumas delas com proposituras para meio ambiente e as ações de apoio ao desarmamento nuclear.

Na Proposta enviada em 2020, intitulada Rumo ao nosso futuro compartilhado: construindo uma era de solidariedade humana, Ikeda iguala em gravidade a questão climática do Planeta à ameaça das armas nucleares e enfatiza a necessidade de solidariedade global na busca de uma solução:

 “As alterações climáticas são mais do que uma questão ambiental no sentido convencionalmente entendido: representam uma ameaça para todas as pessoas que vivem na Terra, tanto agora como nas gerações futuras. É, tal como as armas nucleares, um desafio fundamental do qual depende o destino da humanidade”, afirmou.

Para Ikeda, a sustentabilidade não deveria ser buscada simplesmente como uma questão de ajuste de políticas, a fim de encontrar um melhor equilíbrio entre os imperativos econômicos e ecológicos.

A sustentabilidade deve ser entendida como um desafio e um empreendimento que exige o compromisso de todos os indivíduos. Na sua essência, a sustentabilidade é o trabalho de construção de uma sociedade que dá a mais alta prioridade à dignidade da vida”, afirmou em sua Proposta de Paz enviada à Organização das Nações Unidas (ONU), em 2012.

Frases célebres de Ikeda sobre Amazônia e Sustentabilidade

A Amazônia é o tesouro maior do mundo, é onde resplandece a luz da vida, onde ecoa a contínua canção da vida. Quando a Amazônia adoece, o planeta agoniza; quando a Amazônia chora, a Terra se desespera; e quando a Amazônia bater suas asas, a humanidade poderá voar altivamente.

Daisaku Ikeda. Discurso para Conferência Internacional Amazônia do Terceiro Milênio: Atitudes Desejáveis. 1999

Creio que não devemos esquecer a ótica da convivência na busca de soluções para os problemas do meio ambiente. O desenvolvimento do meio ambiente requer o desenvolvimento do homem, e para promover o desenvolvimento do homem é indispensável unificar os seres humanos

Daisaku Ikeda. Para a Cúpula da Terra. Rio de Janeiro. 2001

Uma sociedade sustentável é aquela cujo futuro não seja prejudicado pelas necessidades momentâneas do presente, mas onde as melhores escolhas sejam determinadas pelos interesses dos nossos filhos e netos. A procura desses ideais não deve ser acompanhada pela obediência a regras impostas de fora nem como um fardo sufocante de responsabilidade. Pelo contrário, ela deve ser um desejo natural.

Daisaku Ikeda. Proposta de Paz à ONU: Segurança humana e sustentabilidade – Compartilhar o respeito pela dignidade da vida, 2012

As alterações climáticas são mais do que uma questão ambiental no sentido convencionalmente entendido: representam uma ameaça para todas as pessoas que vivem na Terra, tanto agora como nas gerações futuras. É, tal como as armas nucleares, um desafio fundamental do qual depende o destino da humanidade

Proposta de Paz à ONU: “Rumo ao nosso futuro compartilhado: construindo uma era de solidariedade humana”, 2020

Necessitamos do poder da ação conjunta e da solidariedade que transcende as fronteiras nacionais, em ação contra as entrelaçadas crises das mudanças climáticas e dos impactos econômicos relacionados à Covid-19

Daisaku Ikeda. Proposta de Paz à ONU:  “Criação de Valor em Tempos de Crise”, 2022

Legado literário

No campo literário, Ikeda deixou um legado como autor de poesias, romances, ensaios, artigos, histórias infantis. Mais de 250 obras suas foram traduzidas em mais de 50 idiomas. De acordo com seu site oficial, o número de livros publicados ao redor do mundo chega a mais de 2.000. No ano de 1993, ele foi eleito para a cadeira 14 de sócio correspondente da Academia Brasileira de Letras.


Instituto Soka e INPA realizam a 8ª Edição do Seminário Águas da Amazônia

2023 ficará marcado na história pela série de eventos climáticos extremos na Amazônia com conseqüências graves para a biodiversidade e populações locais.

A região que concentra a maior floresta tropical e a mais extensa bacia hidrográfica do mundo vivencia a seca dos últimos 122 anos na região. Em 62 municípios do estado do Amazonas, cerca de 600 mil pessoas foram impactadas diretamente pela seca, segundo dados da Defesa Civil do Estado. 

Tal panorama não poderia estar de fora das discussões do Seminário Águas da Amazônia, realizado no último dia 9 de novembro, na sede do Instituto Soka e transmitido ao vivo pela youtube.

Especialistas de diversos segmentos apresentaram suas análises dos impactos dos eventos extremos no ciclo hidrológico amazônico criando oportunidade de reflexões sobre o necessário aprimoramento das relações do ser humano perante a natureza como um todo.

Para o diretor presidente do Instituto Soka Amazônia, Luciano Nascimento, o Seminário é relevante não apenas para a região.

“Os momentos que estamos vivendo em toda sociedade requerem que possamos refletir, pensar e partir para ações para mudar o futuro de toda a sociedade e construir um mundo melhor”, afirmou, agradecendo o apoio do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e demais parceiros na realização do Seminário, que chega à sua 8ª edição

De acordo com a diretora de Tecnologia Social do INPA, Dra. Denise Gutierrez, o Seminário é realizado em parceria com o Instituto Soka, devido aos temas convergentes que ambas instituições trabalham e que são fundamentais para a região.

Ela destacou a convergência em educação ambiental, enfatizando que é impossível atuar  com sustentabilidade, qualidade de vida para as populações e preservação do meio ambiente, sem fortes ações educativas. “Temos a convergência na própria preservação e na visão de preservação, no entendimento que somos depositários de riquezas naturais importantes que são advindas da floresta amazônica e nós lutamos por ela”.

Na palestra “Eventos extremos de seca e cheias na Amazônia“, o doutor Jochen Schongart, pesquisador titular da Coordenação de Uso de Terra e Mudanças Climáticas do INPA descreveu a importância global e magnitude da bacia amazônica.

“São 15 mil quilômetros cúbicos de chuva, que correspondem a mais de 10% de todas as chuvas de todos os continentes do mundo. Metade disso volta em forma de evapotranspiração e grande parte é exportado na forma de rios voadores que levam umidade a outras regiões. É a maior  hidrobacia do  mundo, com 18% de toda a água doce que chega aos oceanos; são 30% de áreas úmidas; reúne 10% de toda a biodiversidade conhecida; e estoca de 150 a 200 bilhões de toneladas de carbono na biomassa e no solo”.

Com base em 122 anos de monitoramento do nível dos rios na cidade de Manaus, o especialista avaliou que o ciclo hidrológico da Amazônia já sofre forte mudança. Nos primeiros 23 anos deste século, a situação de emergência é quase igual a de todo o século anterior. Em outras palavras, 7% desse século é situação de emergência, ou seja, a cada 17º dia é um dia de emergência induzida por  enchentes ou secas. “São enormes desafios para as políticas públicas e para a sociedade, pois essas ocorrências tem dimensões complexas, sociais, econômicas e de biodiversidade”, concluiu.

O consultor da Unicef, Paulo Diógenes, apresentou os impactos da escassez de água de qualidade e tratamento sanitário na vida das crianças e adolescentes no Brasil. De acordo com levantamento recente, apenas 21% das escolas brasileiras tem água tratada disponível e 3,3  milhões de crianças e adolescentes, entre 0 e 17 anos de idade, não tem acesso a água segura.

Para as meninas, o quadro é mais dramático: apenas 3% das estudantes brasileiras frequentam escolas com  banheiro em condições de uso. E no estado do Amazonas, 13,4% das crianças no Amazonas não tem acesso à água segura e quase 72% não tem acesso a saneamento básico.

O pós-Doutorando em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e Mestre em Direito Ambiental, Thiago Flores dos Santos, abordou em sua palestra o uso de Pagamento por Serviços Ambientais Hídricos como estratégia de Conservação da Biodiversidade no Amazonas.

Para o especialista há desafios a serem superados quanto à regulamentação, formas de valorar e precificar os ativos e o monitoramento dos resultados.

O professor doutor Sergio Duvoisin Junior, do núcleo permanente do Programa de Pós-Graduação em Clima e Ambiente da Universidade do Estado do Amazonas e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (UEA/INPA), apresentou os dados do projeto monitoramento ambiental realizado nas principais bacias hidrográficas amazônicas e onde foram coletadas várias amostras de água e solo para avaliar a qualidade. Os dados completos serão disponibilizados até o final de ano e poderão ajudar os gestores públicos tomarem medidas de planejamento e contenção.

O especialista  fez questão de destacar que a preservação ambiental não é responsabilidade apenas dos gestores públicos ou concessionária.  “A parte de conscientização pessoal – de saber que  cada um de nós tem que fazer o seu papel na preservação dos recursos hídricos – é fundamental. Senão  não chegaremos ao lugar nenhum”.

Estudantes das universidades e representantes da sociedade civil presentes fizeram suas perguntas aos especialistas e considerações. Em seguida, duas as duas palestras finais trouxeram reflexão e esperança.

O antropólogo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN Amazonas), Mauro Augusto Dourado Menezes, destacou que, dentro da lógica do antropoceno,  a seca  vem revelando de diversas formas como homem tem se relacionado com o lugar e o espaço em que ele vive.

Ao se referir ao elemento água como patrimônio cultural enfatizou: “Falar de água, falar de ambiente, falar de natureza, portanto,estamos falando de referencias  que a água,  o meio ambiente e a natureza como portadores de identidade e memória. Talvez quando as políticas publicas se derem conta de natureza não apenas como recursos mas como pessoas, como gentes, teremos outra vertente para pensar na questão ambiental”.

Por fim,  o  engenheiro ambiental e coordenador de Educação Socioambiental do Instituto Soka Amazônia,  Jean Dinelly Leão , apresentou os resultados dos projetos e práticas de educação ambiental, de apoio a pesquisa e de proteção da biodiversidade amazônica, a partira da RPPN Dr. Daisaku Ikeda.

Ao final do evento cerca de 40 quilos de alimentos não perecíveis doados pelos participantes foram destinados à comunidade ribeirinha vizinha ao Instituto.

Assista, a seguir o Seminário na íntegra:

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As gravuras milenares expostas pela Seca na Amazônia

Por conta da seca no Rio Negro no Amazonas, o sítio arqueológico Ponta das Lajes atraiu, no mês de outubro, a atenção de especialistas, da imprensa mundial e de muitos curiosos no início de outubro.

Nessa área de aproximadamente 150.000 m², que comporta uma praia coberta de lajes de pedra, existem petróglifos (gravuras rupestres) com incisões e oficinas de amoladores pré-coloniais. A estimativa é de que tenham cerca 2.000 anos.

Nas bordas desse rochedo, gravuras em forma de animais e rostos humanos, até então, submersas, ficaram expostas devida a baixo do nível do rio. A primeira vez elas haviam sido visualizadas foi no ano de 2010, durante outra forte estiagem. 

Segundo o professor e pesquisador Carlos Augusto da Silva, Universidade Federal da Amazônia (UFAM), as gravuras são, na verdade, símbolos históricos antigos em que os povos utilizavam as rochas para registrar seus comportamentos sociais.

“Elas também podem representar um comportamento socioambiental humanizado, em que a água, a terra e a floresta seriam como irmãos. Havia zelo pela vida”, comenta.

Helena Pinto Lima, doutora em arqueologia pela USP e pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goeldi, destaca a importância de todos os Sítios Arqueológicos da região e dessas gravuras. “Elas são uma expressão fortíssima de como esses povos viram e representaram elementos importantes de suas culturas.”

“Esse complexo arqueológico se situa justo à frente do Encontro das Águas, lugar de muita potência em diversos sentidos, desde os tempos antigos até hoje em dia”. Segundo ela, não à toa, o Sítio Lages (com G) foi o primeiro sítio arqueológico registrado em Manaus, ainda na década de 1960.

Convivência e cuidado

Embora sejam surpreendentes para maioria das pessoas, para os moradores da região as gravuras fazem parte da memória. Dona Onedia Nascimento dos Santos (83 anos), que frequenta a região para banho de sol e pesca individual, afirma que desde a infância via essas marcas nas pedras. “Lembro de muitas outras figuras, algumas parecidas com objetos de mesa”, relata.

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Outras marcas em forma de riscos ou afundamentos delgados e cilindricos, presentes em grandes extensões das lajes, são sinais da chamadas oficinas líticas, ou seja, atividades cotidianas de polimento de rochas resultado do processo de feitura de objetos do cotidiano .

Embora inspire curiosidade e fascínio, as gravuras reveladas pela seca do rio Negro também atraíram, infelizmente, desrespeito e depredação e outros atos criminosos. Como informado em Nota Oficial do IPHAN: “todos os bens arqueológicos pertencem à União, sendo que a legislação veda qualquer tipo de aproveitamento econômico de artefatos arqueológicos, assim como sua destruição e mutilação.”

O órgão federal alerta que, para realização de pesquisas de campo e escavações, é preciso o envio prévio de projeto arqueológico ao Iphan, que avaliará e, só então, editará portaria de autorização. “Assim, qualquer pesquisa interventiva realizada sem autorização do Iphan é ilegal e passível de punição nos temos da lei”. Clique aqui para ler a Nota na íntegra.

Por esse motivo, o mutirão de limpeza organizado pelo Instituto Soka Amazônia e IPHAN, contou com a presença da Polícia Federal e da Secretaria Municipal de Segurança Pública e Defesa Social, e foi oportunidade de educação e sensibilização.

Técnicos do IPHAN e de outros órgãos orientaram a população sobre como visitar os sítios e se apropriar do conhecimento sobre esses locais, sem causar qualquer dano. Por exemplo, registros fotográficos são permitidos desde que não se faça intervenções ou coleta de objetos.  

O arqueólogo Jaime Oliveira orienta que, em situações de descoberta de material arqueológico deve-se comunicar, primeiramente, ao Iphan.

No caso do Amazonas, ao email e telefone da Superintendência do IPHAN Amazonas. “Orientamos que as pessoas não coletem materiais no local do sítio, bem como não realizem escavações, pinturas ou outras atividades que impliquem em intervenção no local. Para essas situações, basta fazer um registro fotográfico e anotar a localização, se possível, com a coordenada geográfica e o meio de acesso.” 

Riqueza arqueológica da Amazônia: Instituto Soka e IPHAN promovem ações educativas para preservação do patrimônio

Proteger a Amazônia é preservar a floresta, seus rios, animais e as populações que existem ou já existiram nesse territóro.

Registrada de diversas formas, seja no solo, nos rios, nas formações rochosas, nos vestígios deixados por quem viveu antes ou nos modos de vida transmitidos de geração em geração, a história da Amazônia é um patrimônio essencial para compreensão do presente e garantia de futuro.  

Um exemplo disso está na Reserva do Particular do Patrimônio Natural RPPN Daisaku Ikeda, onde foram encontrados, em 2001, urna funerária e um alguidar (panelas utilizadas por povos indígenas da região amazônica). A partir desse achado a área foi reconhecida e oficializada como Sítio Arqueológico Daisaku Ikeda pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).

O Sitio Arqueológico Daisaku Ikeda está rodeado pelos Sítios Lages, Porto do Encontro das Águas e Ponta das Lajes. Este último, por longos períodos, fica praticamente submerso (vide infográfico).

Entre os sítios arqueológicos da região o Daisaku Ikeda está em melhor estado de preservação, segundo especialistas, por estar inserido em unidade de conservação. A área reflorestada pelo Instituto Soka ao longo dos últimos 30 anos teria contribuído para essa proteção.

Floresta em pé, ampliação de pesquisa e popularização do conhecimento arqueológico por meio da educação patrimonial são estratégias benéficas para proteção do patrimônio arqueológico, histórico e cultural Amazônia e ajudam a potencializar o senso de pertencimento e respeito às origens dos povos amazônicos.

Cientes disso, o Instituto Soka Amazônia uniu-se à Superintendência do IPHAN Amazonas para realizar uma Semana de Educação Patrimonial, entre os dias 30 de outubro e 1º de novembro.

A série de eventos contou com o apoio da Secretaria de Estado de Educação e Desporto Escolar (Seduc), da Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Amazonas (SEC) e envolveu professores, alunos, pesquisadores das universidades federal (UFAM) e estadual do Amazonas (UEA), Instituto Federal do Amazonas (IFAM), Museu da Amazônia (Musa), agentes culturais e comunidade local.

No Brasil, a Educação Patrimonial é eixo estruturante da política de patrimônio, como explica a superintendente do IPHAN Amazonas, Beatriz Calheiro.”Acredito que todos os processos educativos construídos de forma coletiva que tenham foco no Patrimônio Cultural, podem ser compreendidos pela comunidade nos territórios e colaborar pra reconhecimento e valorização dos nossos bens históricos e culturais, sejam arqueológico, edificado ou imaterial”.

Arqueologia no Instituto Soka Amazônia

No Instituto Soka, todos os anos, cerca de 2000 alunos da rede pública de ensino têm um primeiro contato com a arqueologia e despertam seu interesse por meio da visita guiada pelo Sítio Arqueológico Daisaku Ikeda do programa Academia Ambiental.

No último dia 1º de novembro, os participantes da Semana de Educação Patrimonial do IPHAN também visitaram o Sitio Arqueológico Daisaku Ikeda e assistiram às palestras e demonstrações dos arqueólogos Iberê Martins, do Museu da Amazônia, e Jaime Oliveira, do IPHAN Amazonas.

No dia 28 de outubro, foi a vez de sensibilizar a comunidade local com outra atividade promovida pelo Instituto Soka e IPHAN Amazonas.

Um mutirão educativo e de limpeza no Sítio Ponta das Lajes, em Manaus foi organizado com a participação de cerca de 200 voluntários de empresas vizinhas ao Sítio e de instituições parceiras, além de pesquisadores, alunos e população local.

Além da retirada de resíduos sólidos (lixo) do local , os participantes receberam orientações sobre como visitar sítios arqueológicos sem causar qualquer tipo de prejuízo ao Patrimônio Arqueológico.  

Beatriz Calheiro se emociona ao relembrar a quantidade tão diversa de pessoas e representações de órgãos públicos unidos em prol do patrimônio histórico.

“Coletar aqueles resíduos sólidos foi um momento de reflexão, cuidado e de fazer alguma coisa efetiva acontecer, sem ficar esperando. Mas sim juntos, unindo esforços, para entrelaçar educação ambiental e educação patrimonial”, avaliou ela.

A ação foi inspirada em outra iniciativa educativa realizada, no dia anterior, pela Escola Japonesa de Manaus na área da RPPN Daisaku Ikeda próxima à margem do rio.

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