Raimundo Costa da Silva é um verdadeiro homem da terra. Aos 64 anos possui o sorriso largo e fácil de quem compreende os anseios da natureza
O caboclo amazonense é antes de tudo um forte. Vive em verdadeira simbiose com o meio ambiente, retirando dele praticamente tudo o que precisa para sua sobrevivência. Ao longo dos séculos, desenvolveu toda uma cultura, aparentemente simples, mas que na verdade tem uma complexidade ímpar, tema de inúmeros artigos e teses acadêmicas. A prova viva desse personagem impressionante é Raimundo Costa da Silva.
Nascido às margens do rio Xeruã, no extremo oeste do estado do Amazonas, divisa com o Acre, é um dos filhos do meio de uma prole de 8. Aos 10 anos, devido à aridez da vida naquela região, sua família decidiu migrar rumo às cercanias da capital, Manaus. “A vida era muito dura lá e alguém disse que a gente devia vir pra cá pois tinha mais condições”, contou. A aventura foi duríssima. Raimundo ilustrou a dificuldade: “Viemos a remo. Foram 6 meses num batelão [embarcação de fundo chato, própria para trafegar próximo às margens rasas de rios, lagos ou lagoas]. Foi muito difícil”. Partiram de Xeruã 10 pessoas ao todo: os pais e os oito filhos.
Em Puraquequara[i] há 54 anos, Raimundo sorri quando perguntado sobre o que representa seu pedaço de terra: “eu vou ficar aqui o resto da minha vida! E vou viver muito ainda”. Aprendeu na lida do dia a dia o trabalho na terra. No início, na roça de mandioca. “É bom porque pra gente comer a farinha, desflorestava muito, sabe? Eu sempre fui criado no mato e sempre me senti uma parte da natureza e não achava bom derrubar a mata pra fazer roçado”, explicou.
Nos seus três hectares de terra, hoje ele lida com uma horta de diversas culturas: banana, melancia, maxixe, hortaliças e muito mais. Mas sempre manteve acesa a ideia de reflorestar, ou devolver à floresta o que derrubou. E começou a colher sementes e estocá-las.
“Pensei assim: se alguém pudesse abrir uma porta pra eu reflorestar isso aqui era isso que eu queria fazer”. Decidiu falar com Edison Akira [diretor presidente do Instituto Soka Amazônia]. “E ele topou na hora!”, conta animado. Em poucos anos, ele e o Instituto já reflorestaram um bom pedaço e se depender de Raimundo, irão plantar ainda muito mais. E está gostando muito de ser o agente regenerador da floresta.
Hoje, no seu pedaço de terra vive uma pequena comunidade: as famílias de seus 6 filhos que inclui uma penca de curumins (crianças). “Caboclo não para nunca de trabalhar, o que a gente não para nunca de fazer é curumim!”, fez questão de ressaltar o caboclo Raimundo, orgulhoso de sua prole e da molecada que corre e brinca solta o dia todo, respirando o melhor ar possível do planeta.
Tem uma vitalidade invejável. Às 4 horas da manhã já está de pé. Prepara seu café, vai para o terreiro, prepara a alimentação das galinhas. A essas alturas já está amanhecendo e ele segue rumo à horta. Tem de levar a água na mão, pois o bombeamento não chega até ali. Faz a pausa necessária para o almoço, descansa meia hora e já vai pra lida de novo. A produção da horta, que vende na cidade e para os vizinhos é o que mantém sua pequena renda. A proteína animal das refeições obtém da pesca e da caça. “A gente só retira o suficiente para consumo da família”, explica uma das regras de ouro da cultura cabocla.
Seu maior orgulho: a família. Em sua sabedoria singular, Raimundo sabe que está povoando aquele pedaço da floresta com indivíduos igualmente sábios, que vão manter seu legado intacto e a terra preservada. Embora a pandemia tenha afetado a renda da família, não reclama. Sabe que é parte de um processo planetário e emenda dizendo que “ninguém adoeceu ou passou necessidade”.
Embora não tenha estudo formal, “só sei assinar meu nome”, o conhecimento ancestral herdado dos pais é passado aos demais membros de sua pequena comunidade: é preciso proteger a floresta para que todos possam continuar a usufruir dela no futuro.
[i] Puraquequara é um bairro do município brasileiro de Manaus, capital do estado do Amazonas. Localiza-se na Zona Leste da cidade. De acordo com o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, sua população era de 5 856 habitantes em 2010. Está distante cerca de 27 km do centro da capital, cujo acesso é feito exclusivamente por via fluvial.