Apaixonada pelas polinizadoras brazucas, Iris Andrade da Cruz vai desenvolver estudo sobre elas no Instituto Soka Amazônia
Chegam a somar centenas de espécies e possuem particularidades únicas e preciosas. A simbiose perfeita entre as abelhas nativas sem ferrão (tribo Meliponini) e a nossa flora é crucial para a sustentabilidade da imensa e rica biodiversidade brasileira. A pesquisadora Iris Andrade da Cruz nasceu em Belém, mas ainda bebê foi para Manaus e lá fincou sólidas raízes. “Me considero manauara já”, reafirma. Nesta semana em que se comemora o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, instituído pela ONU, o Instituto Soka Amazônia homenageia todas as cientistas com este breve perfil de uma jovem pesquisadora humanista.
Carreira “mais rentável” por quê?
Budista desde o nascimento, a criança Iris interessou-se desde cedo pelas Ciências Biológicas. Na fase pré vestibular, porém, chegou a prestar Administração, influenciada pelas vozes contrárias que a aconselhavam a buscar uma carreira mais “rentável”.
Porém, acaso ou não, foi reprovada na seletiva. Voltou-se então para a paixão e prestou a prova para a Universidade Estadual do Amazonas (UEA) com sucesso. “Foi a vocação!”, exclama.
Antes das abelhas, formigas
Seu primeiro interesse foram as formigas. Ao longo do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas, seu plano era estudar esses insetos, todavia, não teve a oportunidade. Mas ao buscar o mestrado em Entomologia no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) voltou-se para as abelhas, em especial, as nativas sem ferrão.
“Há muito queria conhecer sobre as nossas abelhas e sobre as suas propriedades únicas”, explica. Uma delas é a importância que têm na preservação de determinadas espécies da flora amazônica polinizadas somente por elas.”
Outras propriedades – O mel das abelhas nativas sem ferrão possui ainda uma alta atividade antibacteriana e é tradicionalmente usado para combater doenças pulmonares, resfriados, gripes, fraqueza e infecção nos olhos em diversas partes do país. Os povos tradicionais conhecem e utilizam seu mel para tratar ferimentos e outras afecções cutâneas pela ação cicatrizante e antioxidante.
Além disso, o mel das abelhas sem ferrão é considerado o mais saboroso que existe. Além de ser variado, é diferenciado por sua consistência, aroma, coloração. No entanto, quase todas as características físico-químicas desse mel não atendem aos padrões exigidos pela legislação brasileira. Há necessidade de uma legislação específica para os méis dessas abelhas pois as normas são pautadas pelo mel produzido pelas abelhas africanizadas que é o que predomina no mercado nacional. Uma das principais vantagens do mel das abelhas nativas é o seu baixo teor de açúcar, que pode chegar a 70% menos que o mel produzido pelas abelhas africanizadas (Apis mellifera).
Mais adiante, o doutorado
“Foi a melhor escolha que fiz!”, conta Iris. Quanto mais estudava maior se tornava sua paixão. Tanto que pretende fazer o doutorado com o mesmo grupo de estudo, as abelhas sem ferrão, sob a orientação da profa. dra. Gislene Almeida Carvalho-Zilse, uma das grandes especialistas do assunto no país, no que se refere às abelhas nativas.
Um meliponário
Iris foi convidada pelo Instituto Soka Amazônia para montar um meliponário[i] dentro da Reserva Particular do Patrimônio Natural Dr. Daisaku Ikeda (RPPN). Além de contribuir para um maior conhecimento sobre esses animais preciosos, o projeto terá também uma importante finalidade educativa já que as abelhas sem ferrão são seguras e podem ser apresentadas sem receio aos milhares de escolares que visitam o Instituto todos os anos. “Quando as atividades normais forem retomadas, quero ajudar as novas gerações a conhecerem essas abelhas e compreenderem a sua importância para a preservação das nossas matas”, ressalta.
Há ainda muito o que se descobrir. A primeira tarefa de Iris será construir o meliponário. Para tanto vem se dedicando à captura das espécies de forma segura. Um desses métodos foi o tema de sua dissertação de mestrado que estudou a eficiência dos ninhos-isca para a obtenção de enxames de abelhas sem ferrão, feitos utilizando garrafas pet.
Desafio: as abelhas estão desaparecendo
Uma das questões mais desafiadoras deste século é o crescente desaparecimento das abelhas em escala global. Mais do que simples produtoras de mel, as abelhas são responsáveis pela polinização de uma imensa parcela de plantas utilizadas na alimentação. Os especialistas são unânimes em afirmar que, com a contínua extinção desses animais, a segurança alimentar do planeta está ameaçada. Ou seja: delas dependem a sobrevivência humana. Cerca de 70% de todo alimento produzido no mundo depende de serem polinizadas pelas abelhas.
As abelhas, as queimadas e uma peculiaridade
E as abelhas nativas têm mais um grave fator a ameaçá-las. Diferente das africanizadas, as abelhas nativas sem ferrão não abandonam suas colmeias quando ocorrem incêndios ou desmatamentos. Elas dependem da preservação da mata em que estão. Hoje são cerca de 500 espécies conhecidas, cada qual com sua caraterística e peculiaridades. O projeto que Iris vai realizar no Instituto Soka Amazônia trará grandes benefícios a todo ciclo de vida da maior floresta do planeta, além de ajudar a conscientizar novas gerações de brasileiros quanto à importância da preservação desses animais fantásticos.
Fontes:
MELO, G.A.R. Stingless Bees (Meliponini). In: STARR, C. (Ed.) Encyclopedia of Social Insects. Springer, Cham, 2020. p. 1-17. Disponível em: https://doi.org/10.1007/978-3-319-90306-4_117-1
[i] Meliponário (coleção de colmeias de abelhas nativas sem ferrão)